terça-feira, 29 de abril de 2008

Distâncias

Oi Gisa,

As coisas vão indo por aqui, sempre esperando algo acontecer, a procura de emprego....também as voltas com muitos dossiers, também aqui as coisas parecem difíceis.

Mais um difícil diferente, eu me sentia muitas vezes extrangeira em São Paulo, me sentia incapaz de compreender certas coisas, muito diferente de quando se é extrangeira no exterior, eu não sinto "precisar" entender tudo, ao mesmo tempo me sinto menos responsável pelo meu entorno.

Por aqui também o tempo é racionado, só é possivel resolver um problema de cada vez, mesmo!, então, eu faço uma lista de coisas a resolver. Eu não tenho intermináveis listas, mas as adoro, riscar um item é uma glória, e ajuda muito a tirar as preocupações da cabeça, vão todas pro papel.

Falando em distâncias:

- mais ou menos 13.493 km nos separam (se é que fiz a conta certa);

Acho que é preciso "prendre du recul" pra formar qualquer idéia sobre qualquer coisa, mais as vezes é impossível predre du recul, ainda mais em se tratando do nosso próprio trabalho, tem muita carga emocional envolvida pra poder se separar. Só depois que ele é concluído e que um tempo passa é que poderemos "re-olha-lo". Será que em nossa vida cotidiana isso não acontece também ? Sera que isso quer dizer que normalmente a gente não tem a menor idéia do que está realmente fazendo ? talvez.

"E é verdade que distância ajuda muito a ver certas coisas". Por enquanto estou encontrando coisas em mim que na correria que minha vida tinha se tornado estavam perdidas. Parece que esse tempo que eu estou vivendo é meu.
beijo grande, Gabi

domingo, 27 de abril de 2008

Distâncias

Gabi, como vão as coisas?
Eu aqui, melhor da gripe, quase sarada, e meio mexida.

Minha mãe vai essa semana praí e pra Berlim, levando presentinhos pra amigos queridos que eu gostaria de levar pessoalmente. A vida aqui às vezes parece tão difícil, o tempo tão racionado, a energia tão pouca... difícil se manter otimista. Não tenho conseguido. O remédio, paleativo, é ir cumprindo uma interminável lista de afazeres, que lembra muito as intermináveis e angustiantes listas que meu pai fazia. Acabei de mandar (mais um) dossiê, descrevendo o que será a última performance deste ciclo do Arquivo. Encerramento. Gostaria que acontecesse, seria um alívio. Quero concluir essa história, ao menos esse capítulo da história, e começar outros. Essa nossa conversa parece ser um novo capítulo, assim como minhas escadas.

Eu comecei a tomar essas medidas-desenho como um modo meio maluco de estabelecer critérios de equivalência entre as coisas do mundo. Equivalência métrica, dimensional, no caso. Um dos trabalhos que fiz com medidas se chama justamente Equivalências. No trabalho do arquivo tem um conjunto de medidas que compilei, às quais chamei de Distâncias. O que me faz pensar nessa expressão tão francesa, que não sei ao certo de onde vem: "prendre du recul".
Gosto de atentar pra essas expressões que não têm tradução exata em outra língua. Denota um modo de pensar (ou sentir, ou ambos) de um grupo que não tem equivalente em outro. (é como a história do enjôo de estômago, que em francês é "mal au coeur"...) "Tomar distância" ou "recuar" em português querem dizer coisas bem diferentes do tal "prendre du recul". E franceses, ao menos os franceses com quem eu convivi, acham que é preciso "prendre du recul" pra formar qualquer idéia sobre qualquer coisa.

E é verdade que distância ajuda muito a ver certas coisas. Mas também impede de ver outras. Não sei se é exatamente sobre isso que estamos trabalhando, mas talvez essa constatação possa entrar de algum modo na nossa reflexão.

Agora, imposto de renda! op là...

Beijos, Gabi, bom domingo,

Gisa

sábado, 26 de abril de 2008

Oi Gisa,

Espero que você melhore logo. Eu estou aqui correndo a caça de um emprego de novo. Tudo está meio instável ainda.

Bonitas suas histórias de mémorias da família, é lá que a gente se descobre, um pouquinho da gente pelo menos. E sempre o desenho permeando ou "apresentando" esses encontros, muito mágico.

Eu aqui na frança, do outro lado do oceano, vendo um trabalho em vídeo que a Agnès fez em Portugal descobri que todas as senhoras portuguesas (exagerando só um pouquinho), do bairro pobre onde ela filmou, se parecem com a minha avó Maria. Mesmo vestido de flor, cabelos encaracolados de bobe, mesma estatura e massa corporal, mesma cor de pele.

Vou procurar ler Ponge, não o conheço.

Esse desnho que te mandei feito de noite também é um trabalho antigo que estou retomando agora, quando me formei na UNICAMP meu trabalho de conclusão de curso em desenho foi uma série de desenhos que fiz a noite, sem luz, do meu jardim. E agora de novo desenho a noite a vista da minha janela que dá para um jardim.

Essa história de retomada foi muito interessante na verdade, já te contei mais vou recontar aqui. Quando fui mostrar meus desenhos pra Mme. Kissel, num dado momento, disse a ela que eu estava cansada de me repetir, ela me olhou com a maior tranquilidade do mundo e me respondeu: E qual é o problema de se repetir, o sol não nasce todo dia ! E depois na repetição vem o amadurecimento e o desenho muda junto com você. A tranquilidade que ela me passou nesse momento foi uma coisa incrível, como a gente quebra a cabeça e se paralisa com questões dos outros.

um grande beijo, Gabi

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Calvino, Ponge, Escadas...

Gabi, também estou achando estimulante... mesmo se os estímulos andam demorando a se concretizar ultimamente. (Ontem entrei no antibiótico, ver se essa gripe passa. Tá passando. Vai passar.)

Pois é, o Calvino eu li há muitos anos, logo que fui praí, e me impressionou muito...
Depois, anos depois, conheci o Ponge, que foi uma grande descoberta.
E só em 2004, numa conversa/entrevista com a Sydney Hermant, ela falou na relação entre os dois, que o Calvino cita o Ponge justamente nas Propostas...

É muito muito bonito essa história de mágica do objeto. Tenho pensado muito nisso, nesse papel possível do desenho, que é de atuar como modelo. Modelo de relações entre as coisas do mundo. Acho que é uma forma mais interessante de encarar o simbolismo de alguma imagem (ou de algo) do que pensar psicologicamente, ou digamos surrealisticamente...

O desenho que te mandei é algo que tenho voltado a fazer, depois de bastante tempo. Ano passado visitei a fazenda em que minha mãe nasceu, uma casa antiga de que ouvi muito falar, um lugar meio mítico na família dela. Tive vontade de desenhar/medir a escadaria da frente da casa. Há tempos não tomava essas medidas de lugares. Me faltava, acho, sentir o envolvimento emocional com o lugar, envolvimento que está muuuuuito presente nesse trabalho com o arquivo do meu pai.
Então roubaram minha bolsa com o caderninho em que tinha anotado!!
Talvez tenha tido um lado bom isso, pois o fato é que achei que tinha que ir lá de novo refazer o levantamento. (Fica em São Simão, ao lado de Ribeirão Preto). Em março agora rolou a exposição em Ribeirão e passei lá de novo, na volta. Semana passada fiz um primeiro desenho a partir da medição e das fotos.
E medi essa escadinha aí, da frente de casa.
E estou eu com estas duas escadas na cabeça.

Beijos, Gabi, até breve

Gisa
adorei tudo isso!!!!
Oi Gisa,

estou por aqui também, depois de muitos dossiers.

pensando sobre coisas, objetos, sentimentos me lembrei de um trecho de um livro de Ítalo Calvino, as seis propostas...

"A partir do momento em que o objeto comparece numa descrição, podemos dizer que ele se carrega de uma força especial, torna-se como pólo de um campo magnético, o nó de uma rede de correlações invisíveis. O simbolismo de um objeto pode ser mais ou menos explícito, mas existe sempre. Podemos dizer que numa narrativa um objeto é sempre um objeto mágico."

gabi

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Gabi, cá estou eu.
Entre um assunto bancário e outro, declaração de imposto e varrida no quintal...Pensei em começar minha história aqui por uma referência muito forte -quase obsessão... costumo dizer que ainda vou fazer um adesivo pra colar no vidro traseiro do carro: "leia ponge". Tem sido um ponto de referência, quando perco o pé, ou quando acho que vou perder... lá vai:

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INTRODUÇÃO AO PARTIDO DAS COISAS

As qualidades que se descobrem nas coisas tornam-se rapidamente argumentos a favor dos sentimentos do homem. Ora, numerosos são os sentimentos que não existem (socialmente) por falta de argumentos.Por isso raciocino que poderíamos fazer uma revolução nos sentimentos do homem simplesmente aplicando-nos às coisas, que logo diriam muito mais do que aquilo que os homens costumam fazê-las significar. Isso seria a fonte de muitos sentimentos desconhecidos ainda. Os quais querer destacar do interior do homem me parece impossível, ou bem mais difícil. Porém desejável. (Progresso das « luzes » tanto naquilo que concerne às coisas quanto ao próprio homem. –harmonia entre o homem novo e a natureza que ele conhece e possui cada vez melhor.) Tais são os recursos morais (bem como estéticos) do visível. Sem falar das virtudes próprias da própria atenção.

Francis Ponge
Trad. Ignacio Antonio Neis e Michel Peterson
In : Francis Ponge,O Partido das Coisas
Ed. Iluminuras

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estou aqui pensando em imagens pra te mostrar... mas vou primeiro descobrir como faz pra subir uma.
beijos, Gabi, até breve
Gisa